O homem inacabado | Donizete Galvão

Há nos poemas de Donizete Galvão um humanismo renitente e torto, que não se ilude e não se rende à facilidade das boas intenções. Inconformado com a mudez funcional das coisas, feitas para o entulho, o poeta rumina o sentido oculto ou perdido da experiência no tempo e lhe dá a medida da dor e da insone perplexidade, em permanente tensão. Na raiz da fragilidade que nos aprisiona, ele constata que “os corpos já nascem em débito” e “o pensamento gira como um disco riscado”.

A imagem do anjo de Paul Klee, contemplando as ruínas do mundo, logo no poema de abertura deste livro, evoca a situação do poeta no tempo presente.

A miséria do corpo – “dividido/ entre a aceitação da derrota/ e a teia dos desejos/ que ainda o enredam” –, a agonia de “um amor gasto/ sem contrapartida”, a ausência de “trabalho, amigos ou planos”, a transformação de cada um de nós em “mais um objeto/ em desuso”, ou a visão terrível da “barriga da cidade arreganhada” são alguns dos sinais das pequenas e grandes tragédias do cotidiano que configuram o homem em sua solidão e finitude.